segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Famílias não querem qualificação para não perder bolsa do governo

Projeto vinculado ao bolsa família que busca profissionalizar trabalhadores não encontra adeptos

O Plano Setorial de Qualificação e Inserção Profissional para os Beneficiários do Programa Bolsa Família (Planseq) está encontrando dificuldades de montar turmas em Goiás porque as famílias não querem entrar para o mercado formal temendo perder o benefício. Essa é a constatação dos coordenadores do Bolsa Família em Goiás.

“Foi feita uma pesquisa e tem demanda para o mercado de trabalho”, conta Rita de Cássia Soares Mendonça Monteiro, coordenadora do Bolsa Família em Goiânia. “Estamos movendo céus e terra para conseguir convencer os beneficiários a fazer os cursos”, diz ela. Rita acredita que esta é apenas a fase inicial do Planseq, cujos cursos em Goiás começaram em março, no segmento de turismo.

Este segmento também enfrenta dificuldades. Flávio Marques, da Associação Goiana de Atualização e Realização do Cidadão (Agarc), organização não-governamental (ONG) escolhida para ministrar os cursos em Goiás e no Tocantins, acredita que os beneficiários do Bolsa Família estão distantes da importância da qualificação e se acomodam na condição de “se ganho algo por que correr atrás de outra coisa?”. Das 870 vagas definidas para a área de turismo, já foram certificadas 290 pessoas e parte delas está trabalhando. Novas turmas estão começando, mas ainda há vagas para barmen, garçom, cozinheiro, mensageiro e camareira.

O Planseq destina-se a homens e mulheres, beneficiários do programa, com idade acima de 18 anos e que tenham pelo menos a 4ª série do ensino fundamental. Visa atender a demanda de mão-de-obra qualificada para as vagas criadas pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e incentiva a inclusão ocupacional dos beneficiários do Bolsa Família nos segmentos da construção civil e do turismo. Em outras palavras, seria a porta de entrada para o mercado de trabalho e aumento da renda familiar.

A construção civil foi escolhida por ser considerada fundamental ao desenvolvimento econômico do País e por ter relação direta com as obras de infraestrutura do PAC. Em Goiás, a meta é qualificar 576 pessoas, homens ou mulheres, para cinco ocupações: pedreiro azulejista, pedreiro reparador, pedreiro gesseiro, pedreiro pintor e encanador eletricista. Duas turmas, de 16 alunos, devem iniciar os cursos no dia 31 deste mês, no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) da Vila Canaã e Integrada Serviço Social da Indústria (Sesi)/Senai de Aparecida de Goiânia. A parte prática será realizada em canteiros de obras de empresas filiadas Sindicato da Indústria de Construção (Sinduscon). Por enquanto, esta é a programação, mas a procura tem sido baixa.

Walmir Telles, coordenador de projetos do Senai, não confirma a baixa demanda. “É precoce falar disso”, afirma. Para Denise Barra, coordenador do programa no Estado, o pequeno interesse está mais relacionado ao perfil do beneficiário. “Os cursos não atendem a demanda. Estamos insistindo, mas não podemos exigir”.

O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananiass, determinou rigor na fiscalização do Bolsa Família. Ele anunciou, na última semana, o novo sistema de monitoramento para evitar fraudes. A medida, uma resposta à auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgada em maio, que mostrou falhas e incorreções nos dados cadastrais de beneficiados, não vai impedir a permanência no programa de pessoas que preferem se manter na informalidade para garantir a renda mensal do Bolsa Família.

É o caso da diarista Dirce Maria, de 37 anos, quatro filhos e grávida de cinco meses. Ela conta que se inscreveu no Bolsa Família há três anos, mas somente há dois meses começou a receber o benefício. Nesse tempo, Dirce encontrou novo companheiro, que trabalha com carteira assinada, e engravidou. “Já trabalhei fichada, mas hoje nem penso nisso”, afirma a diarista, que recebe, em média, R$ 50,00 por dia trabalhado.

Em Goiás, o programa atende 282 mil pessoas, mais de 28 mil delas na capital. Até 31 deste mês, 70 mil terão o cadastro revisado. Denise Barra explica que é um trabalho árduo. Os gestores municipais são responsáveis pela revisão, obrigatória de dois em dois anos, de acordo com a data de inserção no programa, mas no ano passado ela não foi feita. “Foi um ano eleitoral e em 179 municípios goianos houve mudança de gestor”, explica Denise. Fora isso, até 31 de outubro os municípios terão de averiguar possíveis irregularidades por determinação do TCU, com visitas domiciliares e fotografias.

Desde o lançamento do Planseq, no fim do ano passado, o governo federal tem usado várias formas de comunicação para envolver os beneficiários do Bolsa Família. O plano oferece vale-transporte e lanche diários, aulas práticas, certificação e possibilidade de entrar no mercado de trabalho, entretanto os resultados têm sido insatisfatórios.

Flávio Marques conta que buscar os beneficiários tem sido um trabalho de “sangue, suor e lágrimas”. “Mudamos a estratégia. Partimos para o contato direto através de visitas domiciliares e reuniões em igrejas e associações de moradores. Estamos conseguindo mostrar que a qualificação é a possibilidade real de a pessoa melhorar a renda da família”. Para Flávio, o maior equívoco é acreditar que, com o curso, a pessoa perde o benefício. “Isso só vai acontecer quando a renda familiar ultrapassar o limite estabelecido pelo programa e confirmada na época certa da revisão”.

Vanderlúcia Nery de Souza e Silva, de 43, mãe de três filhas, entendeu isso e está inscrita no curso de camareira. “O valor que recebo é muito pequeno, estou determinada a entrar no mercado de trabalho”. Mãe de três filhas, casada com um profissional autônomo, Vanderlúcia já trabalhou com carteira assinada, mas está fora do mercado há anos. “É único meio de melhorar minha renda”, diz ela, que recebe do Bolsa Família o valor correspondente a duas filhas. A mais velha, de 18 anos, também resolveu fazer um curso de recepcionista. “O mercado está exigente. Aqui tenho aprendido muito”.

Vanderlúcia é uma exceção. Denise Barra explica que 99,9% dos titulares do Bolsa Família são mulheres, o que pode indicar um ajustamento familiar em que os homens preferem se manter na informalidade enquanto as companheiras permanecem como beneficiárias. “A maioria está mesmo na informalidade”, acredita Flávio Marques

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